Meu pai morreu relativamente novo, com 67 anos de idade. Como ficou uns 2 anos adoentado, seu tempo de vida foi ainda menor.
Eu tinha 33 anos e começava a estabilizar minha vida do ponto de vista profissional e pessoal. Naquele ano assumi a superintendência da ABC Propaganda e me casei. Dois fatos marcantes. Pena que não tive as chances que queria de lhe retribuir o tanto de bom que me proporcionou, o orgulho de ser seu filho e a beleza de conviver com seu espírito descontraído e irreverente.
Como meu pai, durante grande parte da sua vida, exerceu a atividade de viajante, sua convivência comigo e minha família, incluindo minha mãe e irmãos foi pequena. Mas o que conta é que foi marcante. Deixou marcas positivas que guardo e conservo com muito carinho e saudade. E o que mais valioso nos legou foi seu relacionamento e conduta. Sua forma de fazer e manter amigos. Seu jeito alegre, extrovertido e brincalhão de ser. Sua paixão pelo futebol e por contar histórias. Características que, de alguma forma e em menor escala, impregnaram minha conduta.
Perder um pai assim sempre é triste. Mas triste mesmo é perder o pai ainda em vida. Seja pela ausência e omissão dele. Seja pela insensibilidade e desprezo do filho.
Tenho comigo que certas situações são para sempre, o papel do pai e da mãe são dois deles. Tão fortes que superam até mesmo a morte. O amor, o carinho, o respeito e a saudade permanecem mesmo depois que a pessoa se vai. Ficam as recordações, os exemplos, os legados.
Por isso me assusta quando essa ruptura ocorre em vida.
Um pai ausente causa sequelas que, muitas vezes, podem influenciar a existência de uma pessoa de uma forma irreversível. Provocar traumas e feridas no campo afetivo e em outros mais.
Machucar pessoas que não tiveram opção de escolha, pois são frutos de relações de quem deveria ter consciência de seus desdobramentos e consequências.
Por isso perder algo de tamanho valor como um pai amoroso e dedicado, por mais doloroso e complicado que seja, tem também um lado que precisamos reconhecer e agradecer, o privilégio de tê-lo tido.
Como é bom recordar quem foi tão bom e importante em nossa existência. Relembrar passagens, resgatar histórias, compartilhar exemplos.
Manter vivo quem exerceu papel tão relevante em nossa vida. E em muitos casos, como no meu, transmitir aos meus filhos que não chegaram a conhece-lo, mas que são impactados pelo que ele fez por mim, como era e quem foi a pessoa que, por me abrir tantas portas, me permitiu lhes proporcionar o que eles têm hoje.
Ter ou ter tido um pai presente é o presente melhor que um pai pode oferecer.
Porque deve ser triste perder sem ter tido. Nem sentir a dor de não ter mais, porque nem chegou a conhecer o que é tão bom.
Nessas horas, por mais cruel e vulgar que possa parecer, me lembro da citação do extraordinário professor J. C. Bemvenutti referindo-se ao pai ausente. Aquele que não cuidou nem se dedicou ao filho.
Dizia ele, na sua irreverência, mas brilhante didática, que a primeira coisa que o filho de um pai ausente faz, quando tem a primeira ejaculação é chegar pra ele com a mão fechada, estende-la e lhe dizer: toma, agora não te devo mais nada!
Publicado no Jornal Correio de Uberlândia, em 10 de setembro de 2016